Conscientes da mudança climática



1.
Todos estamos conscientes da atual mudança climática. Ela vem à tona quando ligamos o carro de manhã, quando ensacolamos nossa compra, quando jogamos embalagens no lixo, quando tomamos banho, quando abrimos o jornal e lemos sobre desastres naturais. Nós estamos conscientes mesmo se formos “céticos”: mesmo se duvidarmos da gravidade do problema ou se duvidarmos da ciência por trás do problema, ele permanece como um fantasma que percola em todos os campos do conhecimento.

A mudança climática, ou aquecimento global, é tema de uma crescente pilha de estudos nos campos de climatologia, geologia, biologia, oceanografia e outras ciências naturais. A ironia é que, ainda que seja um aspecto positivo, a pilha enorme de estudos acaba coibindo qualquer pessoa não-especialista a procurar respostas pré-fabricadas na mídia e na política. O público tende a relevar alguns aspectos do problema e ignorar outros, seguindo diretrizes mais gerais ao invés de revisar sistematicamente a evidência. As pessoas então criam vieses cognitivos, ou seja, elas criam desvios sistemáticos de lógica para suprir o “atalho mental” que elas não possuem. Atalhos mentais, no caso, seriam os arquivos cerebrais que especialistas ou intelectuais acessam para que, quando descubram um problema, possam piscar e ter a solução. Isso é comum e intuitivo, mas cria todo tipo de percepção errada que ilude uma parcela do público a desacreditar do concenso científico sobre o assunto.

Ainda assim, as conclusões são claras e implicam que, sim, a mudança climática é real - inclusive, o problema mais real que a sociedade enfrentará no futuro. Devido ao que isto implica, todo o espectro das ciências humanas também aborda o tema, da filosofia à psicologia. Dentre estas disciplinas, a psicologia social tem muito a dizer sobre “crentes” versus “céticos” no embate climático.

Por exemplo, a equipe do Professor Matthew Hornsey, da Universidade de Brisbane, Austrália, compilou uma meta-análise com resultados do mundo todo com a opinião do público sobre o aquecimento global e definiu que crentes e céticos possuem perfis bem definidos. Quando pensamos em crentes e céticos, nos vêm à cabeça algumas determinantes. Podemos pensar em idade, sexo, gênero, raça, renda e educação destas pessoas e tirar algumas informações importantes. Se você acredita em aquecimento global, você tende a ser mais jovem, mais educado, mais rico, com mais chances de ser mulher e não ser branco. Mas estas variáveis empalecem perto da maior correlação demográfica: a afiliação política.

Pessoas que tendem a votar em partidos de esquerda tendem a acreditar mais em mudanças climáticas do que pessoas alinhadas a políticas mais conservadoras ou de direita. A maior determinante se você crê ou não no aquecimento global são os seus valores, ideologias e afiliação política. No debate climático, você discute política, não ciência.

As outras variáveis demográficas são um tanto insignificantes. O rótulo de “homem branco conservador que nega o aquecimento global” é vago, pois apenas o ponto “conservador” é pertinente. Céticos também não são mais ignorantes ou menos educados. Existe alguma razão mais profunda por quê céticos são céticos frente ao óbvio ululante da evidência científica.

Outra coisa que parece intuitiva é pensarmos que pessoas que acreditam no aquecimento global tendem a ser mais preocupadas com o meio ambiente em geral. De fato, esta parece ser a correlação mais direta de todas, mas isso não significa que o comportamentos dessas pessoas acompanhem suas intenções. As intenções delas podem ser “puras”, mas não são colocadas em prática. Elas acabam com atitudes ambientais muito semelhantes aos próprios céticos. No entanto, isto é esperado, dada às difíceis realidades ao adaptar-se a uma “vida verde”: reciclar, compostar, evitar o transporte individual, evitar aviões, comer menos carne, levar suas próprias sacolas ao supermercado, comprar orgânico, plantar a própria horta, reduzir o consumo de água, gás, eletricidade e etc. Ou seja, acreditar em aquecimento global não significa fazer algo à respeito. Quando alguém fala algo e não faz, isso cria uma espécie de hipocrisia no discurso, ou demagogia, muito familiar no palanque político atual. Isto abre uma brecha para que céticos justifiquem sua ética como, ao menos, livre de hipocrisia, embora coloquem em segundo plano, a verdade.

Existem outras conclusões irônicas. Por exemplo, pessoas que presenciaram catástrofes climáticas, como furacões e enchentes, tendem a acreditar em aquecimento global, mas ainda existem poucos estudos sobre isso. Agora, existem estudos interessantes sobre como as pessoas se adaptam a mudanças de ambiente bem locais. Por exemplo, um experimento mostrou que pessoas tendem a dizer que acreditam mais em aquecimento global quando os cientistas aumentam a temperatura do laboratório ou rodeiam o laboratório com árvores mortas.

No geral, o público procura, recorda e assimila as “evidências” do aquecimento global conforme ditam suas ideologias. Nos dias de hoje, é muito fácil trancar-se em uma bolha ideológica e não perceber seus arredores. Para algumas pessoas, isso leva a um profundo desentendimento da ciência; à impressão de que não há um consenso sobre o aquecimento global, quando na verdade há. Mas o panorama político atual cai indigesto nas entranhas do povo, com Trump, Brexit, e a própria Lava Jato enfatizando esse enjoo, esse refluxo, esse repúdio ao status quo - um estado regurgitado de constante mal-estar contra a política, a mídia e a elite científica.

Quando as pessoas ouvem uma narrativa contada pela mídia e uma versão alternativa que circula na internet, elas perguntam-se por quê esta outra versão não está sendo contada e concluem que, de propósito ou não, nossa mídia é especulativa, parcial e ineficiente. Estes argumentos “alternativos” encontraram sua audiência em pessoas abertas a perspectivas às margens do mainstream - pessoas excluídas, desconfiadas e tementes de que suas próprias visões de mundo estejam escondidas delas mesmas. Estas pessoas estão em coro, conectadas ao redor do mundo dos EUA à Rússia ao Egito ao Reino Unido ao Brasil, em marcha contra o neoliberalismo, cujo reino desvirtuou tudo o que nos torna humano em prol da lógica de mercado. Graças à veneração ao livre mercado, a verdade pode estar esvaindo da vida pública. Nossa era é irônica: a esquerda, que historicamente defendeu o povo, agora perde o controle das massas para a direita.

Continua em Conspiração e paranoia.

Comentários

Postagens mais visitadas