A idade das árvores

Continuação do post À beira do Antropoceno

Cena do filme Um corpo que cai (1958)


6.
Em uma cena do filme Um corpo que cai (Alfred Hitchcock, 1958), o detetive aposentado Scottie Ferguson (James Stewart) caminha em um bosque com Madeleine (Kim Novak) para investigar seu comportamento estranho, enquanto se apaixona devagar pela sua beleza e mistério.

“Tem um corte transversal em uma das antigas árvores que foram cortadas”, diz o detetive. A árvore tombada apresenta marcações de eventos históricos na seção transversal, com flechas apontadas para os anéis do tronco, com escrituras de dentro para fora: Assinatura da Magna Carta (1215), Descobrimento da América (1492), Declaração da Independência (1776) e, na casca mais externa, Árvore Cortada (1930).

Madeleine aponta para em algum ponto no meio do século XIX, entre os últimos anéis. “Em algum lugar aqui eu nasci e morri. Foi apenas um momento para você e você nem reparou”. É como se ela tivesse sido possuída por um fantasma de uma mulher, Charlotta Vades (1831-1857), que cometeu suicídio e agora pretende levar o corpo reencarnado para o mesmo destino.

Qual a sua idade? Uma pergunta grossa, para cascas grossas de árvores.


7.
Com um procedimento chamado dendrocronologia, nós podemos definir a idade de árvores a partir dos anéis em seus troncos. Estes anéis crescem anualmente, de dentro para fora, na taxa de um anel por ano. Se você ferir uma árvore grafando-lhe um coração, por exemplo, daqui a alguns anos a casca da árvore cicatrizará. Caso você corte a árvore de vez, você verá cada anel correspondente a cada ano no corte transversal. Árvores vivem muito tempo, às vezes por centenas ou milhares de anos. Se você acabou de matar uma árvore secular, ops, que pecado. Por isso, dendrocronólogos costumam estimar a idade das árvores só pelas espessuras dos troncos, evitanto destruir as árvores. Mas supondo que o corte transversal já esteja aberto, nós podemos aproveitar o sacrifício didático da nossa árvore para fazermos inferências bastante relevantes sobre as mudanças climáticas que esta senhora árvore presenciou.

A datação radiométrica ou radioativa é outra técnica usada para descobrir a idade das coisas. Materiais como rochas e carbono são formados por átomos, incluindo isótopos radioativos que decaem em taxas constantes com o tempo para formarem isótopos estáveis. Materiais mais novos possuem isótopos radioativos em maior abundância, que ainda vão decair com o tempo. Isso é importante, pois permite que saibamos a idade das rochas, fósseis e da Terra em si.

Cada anel de crescimento dos troncos das árvores possui uma taxa de decaimento de carbono-14 que podemos comparar com dados de carbono-14 obtidos em geleiras. Geleiras também crescem conforme a neve precipita e acumula-se, mas as camadas de gelo são homogêneas e quase indistinguíveis umas das outras. Por isso, os anéis das árvores, que crescem regularmente, são utilizados para balizar os dados climáticos obtidos nas geleiras. Quando integramos ambos os dados, obtemos picos e vales que correspondem aos parâmetros globais de como a atividade específica de carbono-14 variou nos últimos séculos.

O resultado mostra que a quantidade de carbono-14 variou bastante com o tempo. Nos últimos 200 anos, a atividade específica de carbono-14 caiu por causa da queima de combustíveis fósseis, que adicionou carbono “velho” na atmosfera, livre de carbono-14 (efeito Suess). No entanto, a partir de 1945, os diversos testes nucleares injetaram elementos radioativos na atmosfera que liberaram neutrons que colidiram com nitrogênio e criaram carbono-14 em abundância, que flutuou pelo planeta, espalhou-se pela atmosfera, foi absorvido pelas plantas e passou a figurar novos picos na atividade específica de carbono-14 até mesmo nas nossas células. Quando suspenderam os testes em 1963, os níveis de carbono-14 na atmosfera já tinham dobrado. Desde a suspensão dos testes nucleares, estes níveis têm caído pela metade a cada 11 anos.

De certa forma, os teste nucleares tiveram suas vantagens. Eles forneceram picos decarbono-14 que permitiram que analisarmos, por exemplo, a idade das nossas células. Nossas células mais jovens são as do trato digestivo, com no máximo dois anos. Nossas células mais antigas estão nos nossos olhos, que estão aqui desde quando nascemos.

Comentários

Postagens mais visitadas